2006/04/03

3 vezes Doris Day


Há 82 anos nasceram Marlon Brando e Doris Day. Ele, falecido em 2004, é hoje reconhecido como um dos maiores atores da história. Ela, apesar da recente redescoberta, continua ser uma boa cantora com algum timing cômico, uma estrela que provavelmente vai virar rodapé na história de uma década com estrelas hoje muito mais bem-quistas (Marilyn Monroe, Audrey Hepburn). Injusto. Não vou fazer aqui um post biografia de Doris Day - o leitor pode encontrar uma de excelente qualidade em Saudades do Século XX, de Ruy Castro, em um capítulo que lhe é dedicado - mas mostrar rapidamente seu grande escopo como atriz através de três filmes, disponíveis em DVD, é claro.

- A Comediante:

Volta, Meu Amor é de 1961, época em que Doris já havia abandonado os musicais para fazer um série de comédias românticas sobre sexo. Nestes filmes Day tenta defender sua virgindade do macho sem escrúpulos geralmente interpretado por Rock Hudson (caso de Volta, Meu Amor). Ela ficou conhecida como viegem do hímen de aço, com quase quarenta anos. Para mascarar esse teor sexual hoje ingênuo, entram roteiros afiadíssimos sobre desencontros, uma Nova York cor-de-rosa e Tony Randall como o terceiro elemento, o melhor amigo neurótico. É uma fórmula, mas uma boa fórmula, que tem um ponto ótimo de aplicação.

Doris Day e Rock Hudson na praia: ela está quase cedendo

Para a maioria dos críticos esse ponto é Confidências à Meia-Noite, vencedor do Oscar de Roteiro original de 60 que traz Day odiando Hudson, um playboy com quem sempre entra em linha cruzada de telefone. Hudson vai descobrir que a mulher do telefone é muito mais interessante do que pensa e se passa por outra pessoa para conquistá-la. Conseguirá Day defender sua virtude? Tornar-se-á Hudson um homem melhor? O filme é bom, mas está velho. Volta, Meu Amor tem basicamente a mesma história, só que transposta pro mundo da publicidade. Day e Hudson trabalham em agências rivais, mas não se conhecem. Ela descobre a identidade dela e tenta levá-la para cama se passando por um químico tímido e impotente. Day resolve consagrar sua virgindade a homem merecedor de seu sacrifício. Ela prepara sua camisola especial e o telefone toca, com alguém revelando a farsa.

Confidências à Meia-Noite


Day é sublime nos dois filmes, com sua criação extravagante de mulher moderna com chapéu rosa e sexualidade intocada. Faz o perfil da mal-amada caindo em tentação sem perder uma piada. Se Volta, meu Amor é melhor do que Confidências à Meia-Noite, é porque Delbert Mann é melhor diretor que Michael Gordon. Vencedor do Oscar e da Palma de Ouro pela comédia dramática com toques neo-realistas Marty, Mann não deixa a bola cair. O visual, o tempo, o roteiro, está tudo no lugar. É a aplicação perfeita da fórmula Doris Day - com a qual ele também trabalhou em Carícias de Luxo. Se Confidências... perde ritmo depois da primeira hora, Volta, Meu Amor é redondo. Day é perfeita nos dois.
- A atriz dramática:

Como Ruy Castro muito bem aponta, só em Hollywood Doris Day poderia ter passado por virgem. Antes de ter seu hímen recuperado por milagre, ela interpretou a cantora de jazz dos anos 20 Ruth Etting, que fez seu caminho como dançarina de boates baratas ao sucesso se casando e se submetendo a um gangster de Chicago, interpretado pelo sempre desagradável James Cagney. O filme é Ama-me ou Esquece-me, de 55. Esqueça o cor-de-rosa. Apesar da glamurização da história, Doris Day é perfeita num papel adulto e sexualizado. Mesmo nas cenas mais fortes, onde se insinua sua entrega sexual em troca do sucesso, ela é discreta, elegante, não cai na choradeira de melodrama ruim.

O preço do sucesso: James Cagney e sua fúria sanguinária.


Além disso há uma cena definitiva que ilustra seu poder como atriz, performer e cantora. Ela sobe no palco para cantar um dos maiores clássicos sobre prostituição da história da música, "Ten cents a Dance", de Lorenz Hart e Richard Rodgers. Ela entrega nota a nota intensidade e agonia, traduzindo a tragédia da música (Fighters and sailers and bow-legged tailors/Can pay for their tickets & rent me) em seu rosto e corpo, a expressão de dor, os membros enrijecidos. Para quem ainda tiver dúvida, vale ver sua colaboração com Hitchcock, O Homem Que Sabia Demais. Ela foi a loura menos sexy do diretor, mas não sem razão. Hitchcock coloca na entrelinha a disfuncionalidade do casamento da história construindo o personagem da mulher de maneira assexuada. Hitchcock não esperava que Day segurasse o papel, e se surpreendeu. De lambuja, "Que Sera, Sera", o maior sucesso musical de sua carreira, canção vencedora do Oscar.
- A estrela de musicais.

Seguindo o padrão retroativo deste post, vamos para 1953. Ardida Como Pimenta é um faroeste musical feito pela Warner no rastro do sucesso de Bonita e Valente. Esse filme era a história do romance entre os lendários personagens do Velho Oeste Annie Oakley e Frank Butler. Ardida Como Pimenta seria o mesmo filme, substituindo-se os protagonistas por Calamity Jane e Wild Bill Hickock. Há a mesma briga entre o casal principal (Howard Keel faz o par romântico nos dois filmes, brilhantemente), a educação da moça do modos rudes através do amor encontros e desencontros e final feliz. Só que a cópia saiu melhor que o original. Não que Bonita e Valente e sua atriz (Betty Hutton) não sejam excelentes, mas aqui Doris Day realmente desequilibra.

Doris Day a caráter e boa de briga


Ela simplemente tem mais presença na tela. O trabalho é totalmente estelar, mas no melhor sentido do termo. Ela canta, dança e representa. Cria uma figura de cinema mudo, uma clown, e equilibra a masculinidade no trato da personagem com uma doçura e romantismo completamente feminino. Betty Hutton parece reformada no final de Bonita e Valente, mas Day não. Ela aprendeu mais coisas sem deixar de ser ela mesma - Calamity Jane ganha mais nuances ao invés de uma substituição de personalidades. Ajuda bastante Day ser extremamente eficaz em sua composição de "mulher-macho", com voz, andar e caracterização e expressar sua femilidade (o ciúme) sem começar a choramingar. Day maneja dois aspectos opostos na personalidade de Jane por adição.
Ajuda muito também uma série de números musicais espetaculares que ilustram o arco de Jane. Deadwood Stage e Windy City, números viris e cheios de movimentação, Day passa para A woman's Touch (em que aprende a arrumar a casa) e a balada oscarizada Secret Love, quando finalmente admite seu amor. Seria injusto não citar os outros méritos de Ardida Como Pimenta, como as excelentes canções, o ritmo acrobático das coreografias, e os coadjuvantes (Dick Wesson, em especial - sensacional num número vestido de mulher), mas se Doris Day não tivesse conseguido lidar com um papel tão complicado o filme não seria a obra-prima que é. Genial, Doris, nem foi indicada ao Oscar. Por melhor que seja a vencedora Audrey Hepburn em A Princesa e o Plebeu(que deveria ter levado o prêmio por Bonequinha de Luxo, alguns anos mais tarde), Doris Day não deixaria espaço pra competição.
Próximo post, Visconti Parte 2.

2 Comments:

Blogger Angelov said...

hahahaha
"Conseguirá Day defender sua virtude? Tornar-se-á Hudson um homem melhor?"
vc anda escrevendo mto engraçado, meus parabéns!

5:59 PM  
Blogger Unknown said...

ela se tornou membro da testemunhas de jeova?

12:32 AM  

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