Mais aniversários: Tracy, Davis, Peck
Eu escrevi no último post que o próximo texto seria a continuação da revisão Visconti, mas tive que voltar atrás devido a um motivo especial: hoje fariam aniversário Gregory Peck, Bette Davis e Spencer Tracy. Não posso ficar escrevendo toda vez que uma data for aniversário de gente importante, mas esses aqui merecem pelo menos a indicação de seus melhores filmes existentes no mercado nacional de DVD.
Spencer Tracy: junto com Tom Hanks, Tracy foi o único ator a vencer o Oscar de melhor ator em dois anos consecutivos. Os filmes (Marujo Intrépido e Com os Braços Abertos) não estão disponíveis, mas o cinéfilo pode encontrar cinco de suas nove parcerias com Katharine Hepburn, sua companheira na tela e na vida. Minha recomendação especial é A Costela de Adão, sofisticadíssima comédia onde Tracy e Hepburn são dois advogados casados que se enfrentam no tribunal num caso de assassinato. Tracy também faz uso maravilhoso de seu tipo bonachão em O Pai da Noiva, o clássico que Vincente Minnelli dirigiu em 1951.
Tracy & Hepburn em A Costela de Adão
Bette Davis: recentemente homenageada com uma caixa da Warner com quatro filmes (Vitória Amarga, A Carta, Vaidosa e Lágrimas Amargas). A Carta é um dos melhores filmes do diretor William Wyler, mas a caixa se ressente da ausência de A Estranha Passageira, lendário melodrama do mesmo ano de Casablanca, e citado em outro clássico, Verão de 42, de Robert Mulligan.
A melhor Bette Davis, entretanto, está em A Malvada, comédia dramática de Joseph L. Mankiewicz vencedora do Oscar de melhor filme de 1950. A mais forte concorrência é o grand guignol O que Terá Acontecido a Baby Jane?, de Robert Aldrich. Nos dois filmes, Bette interpreta uma estrela decadente me estágios diferentes: em A Malvada vê a ascenção de sua ex-camareira na Broadway, em Baby Jane já está completamente alucinada massacrando a irmã paralítica (Joan Crawford) que cometeu o pecado de fazer mais sucesso. Pura intensidade, Bette Davis.
Bette Davis e Joan Crawford se odiavam, na frente e atrás das câmeras; na foto do alto, à esquerda, A Malvada: Bette enfrenta Anne Baxter na frente de George Sanders - ninguém presta.
Gregory Peck: Ele não precisava ser tão bom ator, bastava sua criação do advogado Atticus Finch em O Sol é Para Todos para lhe garantir o céu dos atores. Finch é o viúvo advogado de uma cidadezinha no interior do Alabama que vai ousar defender um negro em um caso de estupro, enfrentando a sociedade local. Peck venceu o Oscar (batendo o também perfeito Peter O'Toole em Lawrence da Arábia), muito merecidademente, pois se trata de um daqueles momentos em que um artista atinge o domínio máximo e absoluto de suas habilidades. O filme, adaptado do espetacular romance homônimo de Harper Lee, está à altura.
Atticus Finch, o maior herói do cinema americano segundo o American Film Institute
Além de O Sol É Para Todos, há mais de 20 filmes com o ator no mercado, filmes onde ele quase sempre vai representar o bastião da dignidade e da justiça, mas sempre de maneira humana. É assim no grande e classudo faroeste Da Terra Nascem os Homens, de William Wyler, em que ele acaba com todos os brutamontes sem dar um tiro, mostrando desdém por toda a violência desnecessária numa briga entre famílias do Velho Oeste. Ainda há o jornalista que faz uma reportagem sobre o anti-semitismo americano se passando por judeu de A Luz é Para Todos, de Elia Kazan.
Peck e a superação da violência em Da Terra Nascem os Homens
Há em sua carreira filmes menos engajados, mas de igual qualidade. Em A Princesa e o Plebeu, também de William Wyler, ele é um jornalista em Roma com um grande furo nas mãos: vai ser o cicerona de uma princesa escandinava fujona, Audrey Hepburn. Há ainda um terceiro papel importante nessa profissão, em Teu Nome é Mulher, de Vincente Minnelli, onde interpreta um editor de esportes casado com uma sofisticada estilista (Lauren Bacall). A Profecia é uma inusitada incorrência no filme de suspense dos anos 70, uns bons 30 anos depois de uma colaboração com Alfred Hitchcock, no ótimo Quando Fala o Coração. Os Canhões de Navarone, de J. Lee Thompson é outro momento de extrema elegância de Peck num thriller de guerra.
O vilão terrível de Duelo ao Sol: interpretação espetacular
São todas excelentes performances, mas os grandes desafios dramáticos (além de O Sol é Para Todos, é claro) de Peck estão em dois títulos da distribuidora Classicline. Em As Neves do Kilimanjaro, de Henry King e baseado em Hemingway, ele interpreta um moribundo que, à beira da montanha africana citado no título, reavalia sua vida de paixões perdidas e alta sociedade. Peck é perfeito transmitindo o tom melancólico e trágico do personagem. O outro filme, traz aquela que deve ser sua segunda melhor interpretação. No faroeste Duelo Ao Sol, de King Vidor, ele é um fora-da-lei que disputa a sensual mestiça Jennifer Jones com o irmão certinho. Peck é galante, mas essa característica é ofuscada pelo ódio intenso que o personagem provoca. Trata-se de um vilão, sem escrúpulos, assassino cruel, mas humano o suficiente para se ver perdido de paixão. Vale ressaltar também que o tom de Duelo Ao Sol, como já disse Martin Scorsese, extremamente adulto pra época em que o filme foi feito (1946), sendo totalmente dirigido e determinado pelo sexo. Um filme selvagem.
Nota: também nasceu num 5 de Abril Melvyn Douglas, o astro de Ninochtka, de Lubitsch, e vencedor do Oscar de melhor ator coaduvante pela obra-prima O Indomado, de Martin Ritt.
5 Comments:
Aqui está parecendo uma festinha de aniversário, que, antigamente, chamava-se 'Chocolate'. O que Gregory Peck gostaria de receber em seu aniversário? O que Doris Day adoraria ter como um mimo de um amigo querido?
É brincadeira, Saymon, seu blog está muito bom, mas fique 'manero' nas datas natalícias
Que honra, Setaro, tê-lo comentando neste blog. Uma festa de aniversário coletiva deste nível seria até divertida, mas não tenho a disposição para fazer isso sempre. O texto da Doris Day só surgiu pelo sentimento de injustiça com seus talentos, e o outro pela ocasião de todos esses grandes atores terem nascido na mesma data, ainda que em anos diferentes. Não dava pra ignorar. Abraço.
Vi quase todas as comédias de Doris Day com Rock Hudson, considerando a melhor delas 'Confidências a meia-noite' (Pillow talk', 1959), por sinal a primeira. Michael Gordon, o diretor, é muito bom. Há uma 'sophisticated comedy' com Hudson e Gina Lollobrigida (atriz italiana que fez imenso sucesso e foi tentar carreira em Hollywood, e era chamada de Loló), que se chama 'Quando setembro vier' ('Come september', 1961), do grande Robert Mulligan. Um diretor com estilo e refinamento era Richard Quine ('Quando Paris alucina', 'Aconteceu num apartamento', 'Sortilégio do amor', 'Como matar sua esposa', etc).
Pillow Talk é bastante bom, mas não o vejo como produto tão bem polido como Volta, Meu Amor.
Uma pena que Quando Setembro Vier não esteja disponível em DVD. Mulligan me parece muito interessante. Além de O Sol é Para Todos, gosto muito de Verão de 42, com a música de Legrand e a beleza de Jennifer O'Neill.
De Quine, só vi os disponíveis Sortilégio de Amor e Quando Paris Alucina, excelentes.
atualiza!
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