2006/04/22

Visconti, Parte 2

Muito depois, volto eu com a segunda parte do mapeamento dos filmes de Luchino Visconti. Rocco e Seus Irmãos foi o ponto de passagem para um Visconti mais literário, mais grandioso (cujos procedimentos narrativos já estavam plantados desde Sedução da Carne), e mais politicamente contundente.

>>> O Leopardo

Em 1962, Luchino Visconti partiu para fazer o mais gigantesco de seus filmes, uma obra sobre as mudanças na estrutura da aristocracia italiana durante a guerra de unificação, no século XIX, a partir do romance de Giuseppe Tomaso di Lampedusa. No papel, é a história do príncipe Don Fabrizio de Salina que tem que aceitar o casamento do sobrinho Tancredi com a filha de um burguês de família inferior. Salina, aristocrata e antiquado, deverá se dobrar ao dinheiro novo dos Sedara, depois da advertência de Tancredi: "As coisas devem mudar para continuarem as mesmas". O achado de Visconti é filmar esse processo de mudança social como um grande ritual fúnebre. O baile, cena gisgantesca de mais de uma hora que marca a ligação aristocracia - burguesia (às expensas da revolução) no dança de Salina e Angelica Sedara, não passa de um grande velório, excessivo, à moda dos grandes artesões do melodrama, como Douglas Sirk. Visconti, que sempre leva seus personagens para a morte, leva desta vez uma classe inteira, um mundo inteiro. Enquanto moçoiolas sorridentes e histéricas dançam e berram em seus vestidos caros, o príncipe chora no seu gabinete.

O baile

O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes '63. Para que pudesse existir, na sua riqueza e pompa, Visconti teve que buscar dinheiro americano, da 20th Century Fox, que após o lançamento, dublou o filme em inglês e cortou 20 minutos. Toda a odisséia do filme para voltar ser o que Visconti queria, está em detalhes em um documentário nos extras do DVD, que esclarece questões como a escalação dos atores internacionais falando diferentes línguas e o relacionamento no set entre Burt Lancaster (o príncipe de Salina) e Visconti, que queria Laurence Olivier no papel. Há também documentários sobre a restauração do filme e sobre o Risorgimento italiano, período retratado no filme. Enfim, uma edição que faz jus à beleza e sofisticação do filme, que conta com uma valsa inédita de Verdi. Como aprofundamento, vale comparar com O Poderoso Chefão Parte II, que está para esse O Leopardo, como a primeira parte está para Rocco e Seus Irmãos.
>>> Morte em Veneza

Entre O Leopardo e Morte em Veneza, Vagas Estrelas de Ursa, O Estrangeiro e Os Deuses Malditos, que não existem em DVD no país. O último desses filmes é a inauguração de uma trilogia sobre a Alemanha realizada por Visconti. Morte em Veneza seria o menos político dos três filmes, voltada para uma decadência intelectual germânica representada por um compositor cheio de idéias filosóficas sobre beleza e estética completamente transtornado pela presença sexual de um adolescente durante uma viagem à Veneza. Adaptado de Thomas Mann e, diz-se, inspirado na vida de Gustav Mahler (a música do filme é dele), Visconti faz aquele que é possivelmente seu filme mais difícil.

Já dizia Nicholas Ray: "O cinema é a melodia do olhar"
Ele leva a idéia perene de um desmoronamento emocional ao limite, o que era clima fúnebre se torna transe. Veneza, assolada por uma epidemia de cólera parece ainda mais opressora com o tempo morto, arrastado e sem ação que Visconti usa meio que pra espelhar a condição passiva de observação impotente do seu protagonista, morto de paixão e admiração, mas covarde o suficiente para não abandonar a razão e abordar seu objeto de desejo - que pode, ou não, estar flertando com ele. O final, ápice de desespero, filmado em silêncio, um rosto com maquiagem escorrendo, pode ser uma das mais belas cenas que Visconti já filmou, em um de seus filmes mais problemáticos, mas ainda assim um dos mais radicais. Para cada flashback intrusivo (e são vários) cheio de discussões filosóficas empoladas, tem essa agonia muda - tão bem representada pelo ator Dirk Bogarde - que acaba redimindo o todo. O DVD é da Warner, e o filme é falado em inglês, usado como língua de comunicação entre alemães e italianos. De qualquer jeito, muito se vê e se ouve muito pouco, com exceção da música perturbadora.

>>> Ludwig

Helmut Berger e Romy Schneider

Ludwig é outro grande personagem viscontiano, rei da Bavária obcecado pela beleza, foi patrono de Richard Wagner e construiu uma série de suntuosos castelos somente para que existissem - pois ficavam desabitados e sem função, depois de ter consumido uma enormidade de dinheiro. Podia ser um filme de Werner Herzog, mas o toque é inevitavelmente do diretor italiano: o poder se desconstruindo paralelamente à tormenta pessoal, e por causa dela: os excessos de um imperador (incluindo homossexualidade) são incompatíveis com sua posição. Ele vai tentar se sustentar enquanto pode, enquanto não é consumido pela loucura. O filme, agora reconstruído e com 4 horas e dez minutos é quase ruim. Visconti continua um grande encenador, mas o que antes era transe, agora se aproxima perigosamente do tédio, principalmente pela presença de Helmut Berger no papel título. Teatral, e ainda por cima mal dublado, Berger faz uma caricatura incapaz de levar o personagem para o processo de destruição que é tão viscontiano. O luxo da coisa ajuda, bem como ter as lindíssimas Romy Schneider e Sonia Petrova, mas o todo é decepcionante pra dimensão gigantesca quie o filme parece ter em sua grandiosidade. DVD duplo.

>>> Violência e Paixão

Lancaster e Berger

Este é o penúltimo filme do diretor, realizado a partir de uma história original de Enrico Medioli, para repetir a parceria entre Visconti e Burt Lancaster. Se Visconti o desqualificava antes de O Leopardo ("Quem é esse gangster?"), passou a respeitá-lo depois de ver o seu desempenho e ficaram amigos e fizeram este filme em inglês, não muito inspirado. Lancaster é um professor aposentado e solitário, colecionador de quadros de um estilo conhecido como Conversation Piece, que é o título inglês, e que se caracterizava registros de cenas familiares e cotidianas, onde as pessoas parecem quase sempre conversando. Esse professor terá sua vida infernizada quando aluga o andar superior de sua casa para uma família problemática e muito mal dublada. Alguma tensão, "À Distância" em uma gravação de Ornella Vanoni na trilha e nada de muito interesse, considerando-se que Visconti não consegue dizer nada de novo sobre conflitos geracionais, solidão e velhice, ou mesmo criar um espetáculo interessante. A impressão que fica é que seu cinema não cabe nesses internos. A melhor coisa é o título nacional, síntese de sua obra.

>>> O Inocente
Visconti não viu O Inocente em seu corte final, e já havia filmado em cadeira de rodas, completamente debilitado. isso não o impediu de criar aquele que é provavelmente seu trabalho mais rigoroso de direção, a versão mais polida e perfeita do gênero que mais amava, o melodrama. Com Visconti, melodrama nada tem a ver com redução de complexidades e emoção fácil. Giancarlo Giannini é Tullio Germill, um aristocrata de vida desregrada que mantém um caso fora do casamento. A esposa Giuliana (Laura Antonelli), solitária, cede aos encantos de um escritor barato. Eles se reconciliam, depois de uma seqüência de cenas num bosque e numa casa vazia tão visualmente apuradas que Visconti parece antecipar o Ran de Kurosawa, com seus storyboards pintados a óleo, e longas tomadas com pouco movimentação de câmera - um deslumbre contemplativo que dá o filme certa paz, que logo se converte em angústia e tensão reprimida. Agora que se descobrem apaixonados, a felicidade é maculada pela gravidez clandestina de Giuliana. Visconti arma uma tragédia a partir do conflito neste caso irreconciliável entre amor e vaidade - Tullio se dedica a interromper essa gravidez, a matar o filho inocente que não é seu - e a (re)corrupção do protagonista é narrada a conta-gotas, como se o diretor fizesse questão de fazer o sentir o amargor onipresente e opressivo da vida de alguém que vive com o ímpeto irreprimível de matar para tornar viável seu amor. Direção de arte e figurinos que combinam entre si (roupas e papel de parede às vezes parecem ter o mesmo padrão de estampa), fotografia pictórica, e mais uma vez aquele tempo misterioso que faz o filme parecer estar na perspectiva de alguém à beira da morte (nests caso, uma verdade). Não é à toa que ele é o cineasta da decadência, seja social, seja pessoal. Todo mundo está em rota descendente. Só que ele nunca conseguiu um grau de elaboração de linguagem tão grande como aqui, ao ponto de que cada cena, cada plano é uma obra-prima de esmero. Pra alguém tão sofisticado, o ápice do detalhismo. Sublime. Envolvente. Inebriante. Vale a pena ver esses quatro stills:

2 Comments:

Blogger Angelov said...

aew! até q enfim!!

saymon, legais os stills. mas, pra serem r-e-a-l-m-e-n-t-e perfeitos, o filme precisava ser p&b, nao?

1:02 AM  
Blogger Saymon Nascimento said...

Que teoria é essa? Visconti é um mestre da cor, ele as trabalha tão bem com seus fotógrafos que faz questão que a imagem dure na tela, pare e arrebate. É perfeito. Não entendi essa teoria do P&B.

4:11 PM  

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