2006/05/09

James Stewart

* Texto de minha autoria originalmente publicado no site Drops de Anis. Hoje eu mexeria bastante neste texto, estou bastante verborrágico, mas estou bastante atarefado (razão porque não estou postando texto um texto original - pelo menos o clipping é autoral). Ainda assim, é texto bastante informativo sobre Stewart, e todos os filmes citados estão disponíveis em DVD. Condescendam.

Uma câmera passando na frente da mesa de um grande banquete – sentados e comendo, todos os rostos que levavam às platéias dos anos 30 aos cinemas. Essa cena, real, é de um dos jantares de aniversário da Metro-Goldwyn-Mayer, usado nos documentários Era Uma Vez em Hollywood para ilustrar o poder do estúdio, e seu famoso slogan: "Temos mais estrelas que o céu". Cada uma dessas personalidades, de Greta Garbo a Clark Gable, encantava o público pelo seu exotismo e força única, uma inatingibilidade ideal perfeitamente adequada ao que o cinema da época proporcionava: escapismo e diversão. Duas décadas mais tarde, astros como Marlon Brando e Marilyn Monroe criaram suas personae projetando justamente a vulnerabilidade das pessoas comuns. A semente, há quem diga, já estava plantada quando uma figura totalmente ordinária, alta e desengonçada começava a fazer sucesso nos corredores da MGM pelos 30 e poucos: James Stewart, hoje um ícone da cultura cinematográfica, fez seu improvável debut justamente no estúdio das estrelas inalcançáveis.

Ex-estudante de arquitetura em Princeton, ator de segunda na Broadway, James entrou no cinema com o destino praticamente selado como coadjuvante eterno, provavelmente o garoto bobo que perde a mocinha para um Cary Grant da vida. Era isso mais ou menos o que lhe reservava seu tipo de magrelo, de 1,92m e com um rosto comum, de expressão de inteligência média, pouco esperta. Foi assim que começou a sua carreira na MGM, até que de repente seus defeitos viraram um mérito quando o diretor Frank Capra ficou cada vez mais obcecado pela defesa dos valores do americano comum. Capra já havia usado Gary Cooper e Clark Gable como astros com resultados esplêndidos, mas os dois eram astros natos, enquanto Stewart parecia mesmo tímido, desconcertado e hesitante. Assim, o diretor o escalou justamente como astro de seu filme-ode à família americana, a comédia Do Mundo Nada se Leva. O filme ganhou venceu os Oscar principais de 38, e James ganhava uma carreira de verdade.
Do Mundo Nada se Leva
Essa carreira se apoiava justamente na exploração deste outro tipo de identificação provocada no público, não mais com um deus, mas com o seu vizinho – embora ainda muito longe da subversão de Brando, pois este vizinho identificado na figura de Stewart era um modelo de correção, e não um rebelde. Stewart explorou, junto com Capra, esse filão de interpretação novamente na obra-prima A Mulher faz o Homem, de 39, vivendo um homem do povo que chega ao Senado e se decepciona com a democracia americana. A atuação perfeita lhe valeu uma indicação ao Oscar, e mais papéis de homem comum, onde se envolvia com estrelas do porte de Marlene Dietrich e Claudette Colbert. O ponto alto dessa fase é A Loja da Esquina, a espetacular comédia romântica de Lubitsch sobre balconistas que se amam em cartas anônimas e se odeiam na vida real; o filme foi refeito mal e porcamente como Mensagem de Amor, com Tom Hanks, um claro discípulo do estilo Stewart.
Lubitsch Touch: com a amiga Margaret Sullavan em A Loja da Esquina
Em 40, veio seu Oscar de melhor ator pela interpretação em Núpcias de Escândalo, mais outro grande filme no seu currículo, desta vez dirigido por George Cukor. A vitória este filme foi surpreendente, já que Stewart incorpora justamente aqui o loser que disputa a mocinha Katharine Hepburn com o megastar Cary Grant. No papel pode parecer óbvio o resultado do filme (ainda mais porque o casal Grant-Hepburn vinha de Levada da Breca), mas o carisma de Stewart é tão forte que deixa o público em suspense até o final, na dúvida se ele consegue ou não sua conquista. James poderia ter finalmente virado o galã depois desse filme, mas veio a Segunda Guerra e ele se alistou na Força Aérea (chegou ao posto de Coronel), para só voltar a atuar em 46, no clássico de Natal A Felicidade Não se Compra, novamente dirigido por Capra, e declaradamente seu filme favorito.
A Felicidade Não Se Compra: clássico família
Se sua carreira tivesse parado por aí, ótimo, mas a Guerra lhe proporcionou papéis mais adultos e complexos, como o do palhaço triste de O Maior Espetáculo da Terra. Alfred Hitchcock percebeu essa mudança e subverteu sua consagrada fachada de americano-médio para explorar seu tema preferido, o sujeito que vive sua vida normal e de repente se vê enredado em complexas intrigas de assassinato e morte. Foi assim em Festim Diabólico, como um escritor que descobre que suas teorias foram usadas para justificar um crime; no soberbo Janela Indiscreta, como o fotógrafo que espiona os vizinhos e suspeita de um deles; em O Homem que Sabia Demais, ele é jogado numa conspiração internacional quando seu filho é seqüestrado; e, finalmente, no mais genial dos filmes do diretor, Um Corpo que Cai, Stewart faz o policial que tem medo de altura e se vê atormentado por duas mulheres muito parecidas – aqui ele dá a interpretação da vida, intensa, perturbada, insana. Apesar da força de seu trabalho, ele acabaria por perder o papel principal do posterior Intriga Internacional por que Hitchcock acreditava que sua aparência já de meia-idade foi a causa do fracasso de bilheteria de Um Corpo que Cai . (Quem ficou em Intriga Internacional foi justamente Cary Grant, o herói hitchcockiano de corte mais sofisticado).
James Stewart e Kim Novak: retratos de uma obsessão
Toda essa potência dramática só fez destacar a versatilidade de Stewart, que além de suas colaborações com Hitchcock fez ainda nos anos 50 o filme de julgamento definitivo, Anatomia de um Crime (num duelo de interpretação vibrante com George C. Scott ao som de Duke Ellington, prêmio de melhor ator no Festival de Veneza), a comédia dramática Meu Amigo Harvey, repetindo papel que fez na Broadway, e o surpreendente contraponto a Um Corpo Que Cai chamado Sortilégio de Amor, onde repete sua parceria com Kim Novak e novamente é enganado por ela, só que agora num clima agradável e sexy de comédia romântica novaiorquina.
Se seu escopo de interpretação ainda pudesse ser questionado, ainda há uma terceira grande face incorporada por Stewart, o muito improvável herói de faroeste. O que pareceria impossível com seu típico físico, se tornou realidade com a onda de psicologismo que ocorreu com o gênero a partir de Os Brutos Também Amam. Ao invés de manter o foco nas aventuras contra os índios e bandidos, os filmes dessa época se preocupavam em evidenciar o efeito da violência em quem vive com ela desde sempre. Nesse faroeste subvertido em drama social, Stewart fez suas principais colaborações com o diretor Anthony Mann (em alguns dos maiores filmes que o gênero já produziu, como Um Certo Capitão Lockhart e E o Sangue Semeou a Terra) e com o deus John Ford (em três filmes, mais notavelmente no outonal O Homem Que Matou o Facínora).
Um Certo Capitão Lockhart
Para quem fez filmes tão à frente do seu tempo, talvez seja surpreendente que Stewart fosse republicano convicto, mas deve-se ter em mente de que ele provavelmente era o americano comum mesmo, casado, com dois filhos e eternamente fiel à esposa e à família. Provavelmente por isso ele decidiu se afastar do cinema a partir dos anos 60, quando o código de censura cairia por terra. Como Cary Grant, ele achava que não havia mais espaço para ele, mas ao contrário do astro contemporâneo, não abandonou completamente as atividades artísticas, mantendo um ritmo regular na tv (fez telefilmes com Bette Davis) e em pequenos papéis no cinema, muitas vezes como narrador.
A grande contribuição de James Stewart foi pavimentar o caminho para interpretações mais sutis e menos estelares em Hollywood, conseguindo isso mesmo dentro de um arquétipo que o sistema inicialmente lhe impôs. Inteligentemente, ele usou o tipo para se afirmar, e a partir de seu poder se colocou em caminhos mais desafiadores artisticamente, mesmo sem jamais ser um out-sider. Resultado: quando morreu, em 1997, foi reconhecido como um grande astro, mas muito mais como um grande ator.

1 Comments:

Blogger Pondé said...

As interpretações de Stewart em Um Corpo que Cai e Janela Indiscreta são realmente geniais. Por falar em genial, em homenagem ao seu blog o meu próximo texto no D&N será sobre a Copa dos carboidratos!!! rs

Abraço

8:20 PM  

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