2006/03/25

Visconti, parte I


Sexta-feira, dia 17 de Março, foram completados 30 anos da morte de Luchino Visconti, um dos maiores nomes da história do cinema italiano. Aristocrata de berço, conde por título, Visconti desenvolveu uma obra baseada no conflito entre sua formação política marxista e suas origens. Filmava momentos de conflito social, seja do ponto de vista do povo (em sua primeira fase) ou da aristicracia decadente, do meio de sua carreira em diante). O que o destacava é que longe de uma abordagem cerebral, ela fazia suas reflexões dentro basicamente de um gênero muito pouco associado a esse tipo de material, o melodrama.

Graças a Versátil Home Video, a obra de Visconti está disponível em DVD nas boas locadoras. Em formato digital, o cinéfilo poderá conhecer os filmes do diretor com todo o rigor técnico de imagem e som que lhe eram típicos de maneira quase intacta. Melhor do que isso, só no cinema mesmo.
Neste e no próximo post, farei um breve roteiro de impressões sobre os Viscontis já lançados em DVD.

Obsessão (1943)
Clara Calamai e Massimo Girotti

--- Numa cidadezinha no meio do nada uma mulher e o amante que acabou de conhecer planejam a morte do marido, com resultados imprevisíveis. Obsessão (1943) é a uma adaptação (não-autorizada) do livro O destino bate à sua porta, de James M. Cain, e se não consegue ser uma obra tão bem acabada como sua fonte literária, é ainda assim muito melhor que as duas versões americanas (de 46 e 81) por recusar a super-estilização encontrada nos outros filmes para oferecer um tratamento desglamourizado e sujo, muito mais adequado à secura da narrativa e da história original. Esse olhar distante do estilo "telefone branco" (melodramas inofensivos bancados pelo sistema fascista) ocasionou não somente a ira do regime de Mussolini (que mandou destruir todas as cópias - Visconti conseguiu salvar uma), mas também um título posterior de marco inicial do movimento neo-realista. É uma afirmação pertinente, sem dúvida, mas o jogo de paixões e perturbações sexuais é o elemento mais forte, e está tanto aqui quanto em superproduções como O Inocente ou Sedução da Carne. Ainda em tempo: Clara Calamai e Massimo Girotti, atores profissionais, estão perfeitos nas intrigas policialescas e nos contornos melodramáticos e ao mesmo tempo completamente integrados no cenário do filme, sem trair a naturalidade do todo.

A Terra Treme (1948)

Pescadores sicilianos em A Terra Treme

--- Depois de Obsessão, Visconti só voltaria a dirigir um longa-metragem de ficção em 1948, A Terra Treme - um filme que está justamente nos limites do documentário. Ele pegou sua câmera e foi pra Sicília registrar a vida dos pescadores locais, sem atores profissionais, dublagem, cenografia ou qualquer efeito visual. Esse despojamento parece atípico para quem vê a carreira posterior do cineasta, mas o centro desse filme é, como em Rocco e seus Irmãos, a família que encontra a degradação através dos obstáculos sociais - um discurso que ainda revela a influência do comunismo no conde Visconti. De A Terra Treme para Rocco, diminue-se a política e aumenta-se o melodrama e o sexo.

Belíssima (1951)
Anna Magnani e Tina Apicella como mãe e filha

--- Se A Terra Treme é uma radicalização do neo-realismo, Belíssima é o primeiro prego no caixão. De maneira parecida com o contemporâneo Abismo de um Sonho, de Fellini, Visconti parte para a ilustração do fascínio das estrelas do grande cinema americano através da história da mãe romana que quer fazer da filha pequena uma artista a qualquer custo. O filme tem sua mensagem, de certa maneira até cruel, mas o tom aqui já é mais ou menos aquele do neo-realismo róseo, o povo, antes sofrido, passa a ser alegre e bonachão nas comédias desse estilo. Belíssima é mais do que isso, mas não deixa de ser histérico e muito engraçado. Anna Magnani é maior que a vida no papel principal.

Sedução da Carne (1954)

--- Belíssima é o primeiro prego e Sedução da Carne é a pá de cal. De qualquer nuance realista, Visconti para o extremo excesso melodramático num romance proibido entre uma condessa infiel e um soldado desertor durante a guerra de unificação da Itália no século XIX. É a primeira superprodução e primeiro filme colorido de Visconti, que recrutou quem havia de melhor entre profissionais de cinema para fazer uma homenagem a duas de suas três paixões, Verdi e o melodrama - a terceira era Shakespeare. Foto de G. R. Aldo, figurinos de Piero Tosi e diálogos de Tennessee Williams.

A linda Valli, ou melhor, Alida Valli em Sedução da Carne; no espelho, Farley Granger, também astro hitchcockiano em Pacto Sinistro

Ainda assim, com todo o seu arsenal operístico, o grande trunfo de Sedução da Carne é a presença de Alida Valli, uma atriz genial, mulher para 400 talheres. Substituindo Ingrid Bergman, Valli tem seu primeiro grande papel desde a falha tentativa do produtor David Selznick de transformá-la em estrela hollywoodiana, a substituta de Garbo no posto de estrangeira misteriosa. Ele a escalou para o hoje clássico O Terceiro Homem, a interpretação foi sensacional (melhor do que qualquer coisa da carreira de Garbo), mas ela não vingou. Visconti lhe fez justiça com esse papel e ela retribuiu com uma intensidade pouco vista em qualquer outra atriz. Farley Granger, seu par romântico, é engolido em todas as cenas. É em seu rosto que Visconti desenha sua tragédia de política e sentimentos.

Rocco e Seus Irmãos (1960)

Renato Salvatori e Alain Delon como os irmãos malditos da obra-prima de Visconti
--- Rocco e Suas Irmãos é provavelmente a obra-prima, o auge do artista Visconti - embora eu goste de problematizar essa idéia ressaltando as qualidades infinitas de O Inocente, do qual falaremos mais adiante. Enfim. De qualquer jeito, é esse o filme mais conhecido do diretor, o filme pelo qual ele será lembrado, talvez porque seja a perfeita união de suas duas fases, a do comentarista da situação social do povo e o apaixonado pela grande tragédia e pelo melodrama. Rocco é o terceiro de cinco irmãos que partem da Sicília para Milão em busca de uma vida longe da fome e da pobreza com a matriarca da família Rosaria. Essa família poderia ser a mesma de A Terra Treme, mas logo que o filme começa, paralelamente à luta dos Parondi para se estebelecer na cidade grande, Visconti introduz um dos personagens mais clássicos de todo tipo de arte narrativa - a prostituta de bom coração, Nadia (Annie Girardot, perfeita - foto ao lado).
A coluna vertebral do filme passa a ser o efeito dessa personagem sobre o absolutamente puro Rocco e seu irmão imediatamente mais velho e corruptível, Simone ao longo de vários anos. Ambos se apaixonam por ela, mas a colisão entre os dois é sempre adiada pela tendência de Rocco de sempre ceder ao irmão, cada vez mais violento. Ambos entram no mundo do boxe, mas somente Rocco se torna profissional. É também a Rocco que Nadia vai amar no fim das contas. Os destinos diferentes de Rocco e Simone marcam o desmoronamento da família, filmado por Visconti com a dimensão épica da grande literatura russa do século XIX. O resultado é mesmo um monumento cinematográfico, extremamente influente. Foi o toque operístico de Visconti que fez a revolução de O Poderoso Chefão nos anos 70, um filme de gangster que chocou os críticos por ser muito diferente dos filmes de James Cagney. Era Uma Vez na América, de Sergio Leone, com toda sua narrativa de violência e paixão, é outro filme que tem muito do Rocco (e Leone também era fanático por ópera). Scorsese já afirmou várias vezes que seu Touro Indomável não existiria sem Rocco. E assim sucessivamente. Rocco é de 1960, e sua constante importância e influência têm muito a dizer sobre a história do cinema. Esse ano foi o marco da descontrução narrativa. A Aventura, Hiroshima Mon Amour, Acossado, O Ano Passado em Marienbad, todos sublimes e desse período (entre 50 e 61), não conseguem ofuscar o Rocco e sua estrutura de romance. Trata-se do contraponto da descontrução, e quanto mais se pensa que o cinema deve romper com a literatura, mais sem sentido fica esse pensamento diante de filmes como este Rocco e Seus Irmãos. O cinema pode ser literário ou não, pode ser tudo.
Os DVDs:

Obsessão, A Terra Treme, Sedução da Carne e Belíssima foram lançados em edições simples com os extras básicos das edições Versátil: biografia do diretor, comentários sobre o filme, prêmios e críticas, em texto, além de galeria de fotos. Rocco e Seus Irmãos foi lançado em DVD duplo, com documentário sobre Visconti.

Dinheiro:
Com exceção de Sedução da Carne, estes filmes estão reunidos num boxe Luchino Visconti, Volume I. Essse boxe pode ser encontrado no Submarino por 149,00, que também oferece os melhores preços para Belíssima e Obsessão (28,90). A Terra Treme (36,90) e Rocco e Seus Irmãos (42,90) são mais baratos no DVDWorld.com.br. Sedução da Carne está com o mesmo preço (36,90) nestes dois sites, os melhores do ramo. Quem nunca viu vai encontrar nas locadoras mais badaladas (Video Hobby, GPW, Casa de Cinema), mas eu recomendo a Video e Cia, no Largo 2 de Julho, pra quem quer pagar mais barato (a partir do dia primeiro 4 filmes por R$9,00).
Obs.: O filme Noites Brancas também foi lançado em DVD pela Versátil, mas não será comentado aqui devido à ignorância das locadoras soteropolitanas, que não o compraram. Não adianta, nenhuma comprou. Comprove em www.filmeemcasa.com.br

2006/03/20

De apresentação.

Este blog é um produto da disciplina Oficina de Jornalismo Digital do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBa. Pretendo aqui escrever sobre o mercado brasileiro de DVD com direcionamento especial aos lançamentos de cinema clássico, seja hollywoodiano, europeu, oriental, ou simplesmente, bom cinema. Os textos terão, em geral, o tom de crônica - comentários livres, de avaliação pessoal e temperados de informações de bastidores dos filmes discutidos - tão característico de Vinicius de Moraes na fase em que escrevia sobre cinema em jornais como A Última Hora. Obviamente, a citação é só parâmetro de gênero; não me cobrem a verve e a graça do poeta, somente a paixão por filmes.
Enfim, este é um espaço aberto para cinéfilos que também estão vivendo essa busca do ouro provocada pela grande quantidade de material de qualidade disponível em formato digital; aqui vocês terão informação + comentário. Os textos também deverão funcionar para os neófitos: sempre disponibilizarei guias de diretores e temas com enfoque simples, além de recomendações de clássicos a partir de obras populares na atualidade. Outra observação: aspectos técnicos dos DVDs serão discutidos com brevidade, mas sempre colocarei links para os geeks que estiverem em busca de informações adicionais.