2006/04/27

Lançamentos de Abril

Fim de mês, hora de ver o que foi lançado nos últimos trinta dias. Nem todos os filmes dessa lista já chegaram nas locadoras, devido a atrasos de envio e distribuição. A lista, já filtrados os clássicos, foi compilada a partir do site A Galáxia:

Aurora

Maldição
Johnny Vai à Guerra
O Pequeno Rincão de Deus
Dillinger: Inimigo Público N1


Buena Vista

A Dama e o Vagabundo - Edição Especial

Fox

Coleção Rodgers & Hammerstein (Oklahoma!, Carrossel, Feira das Ilusões, O Rei e Eu, Ao Sul do Pacífico e A Noviça Rebelde)

Fox Classics

Um Barco e Nove Destinos
Laura


Versátil

Lili Marleen
Sonhos de Mulheres

- O grande lançamento do mês é Laura, clássico noir de Otto Preminger. Recentemente citado por Nelson Pereira dos Santos em Brasília 18%, Laura é a história de um detetive que investiga o assassinato de uma publicitária (Laura, interpretada por Gene Tierney, talvez a mais bela atriz da história do cinema americano) e acaba desenvolvendo uma paixão doentia pela falecida, enquanto lida com as pessoas suspeitas à sua volta: o jornalista que provocou sua ascenção profissional, o namorado gigolô, a mulher explorada. Laura tem tantas reviravoltas que no final a trama já parece totalmente banal e a identidade do assassino aleatória. Qualquer pessoa poderia ter sido o culpado e não faria diferença, porque o que interessa a Preminger é a ilustração sutil das perversões dos personagens, e o contraste disso com a elegância high society da ambientação, expressa perfeitamente na famosa trilha de David Raksin.
Esperamos que Paramount e Warner sigam o exemplo e lancem os outros dois pilares da Santíssima Trindade do Noir: Pacto de Sangue, de Billy Wilder, e Fuga ao Passado, de Jacques Tourneur.
Gene Tierney como Laura:

2006/04/25

Aviso

Para os leitores que têm curiosidade em saber o que anda tocando no meu DVD Player, ou o que ando vendo no cinema, abri esse blog para registro: Saymon Sees . O nome é pra ser um piada com um desenho antigo cujo bordão é "Simon diz!". Nunca vi esse desenho, mas pessoas com mais de 30 anos sempre fazem essa referência quando me conhecem. Enfim.

2006/04/22

Visconti, Parte 2

Muito depois, volto eu com a segunda parte do mapeamento dos filmes de Luchino Visconti. Rocco e Seus Irmãos foi o ponto de passagem para um Visconti mais literário, mais grandioso (cujos procedimentos narrativos já estavam plantados desde Sedução da Carne), e mais politicamente contundente.

>>> O Leopardo

Em 1962, Luchino Visconti partiu para fazer o mais gigantesco de seus filmes, uma obra sobre as mudanças na estrutura da aristocracia italiana durante a guerra de unificação, no século XIX, a partir do romance de Giuseppe Tomaso di Lampedusa. No papel, é a história do príncipe Don Fabrizio de Salina que tem que aceitar o casamento do sobrinho Tancredi com a filha de um burguês de família inferior. Salina, aristocrata e antiquado, deverá se dobrar ao dinheiro novo dos Sedara, depois da advertência de Tancredi: "As coisas devem mudar para continuarem as mesmas". O achado de Visconti é filmar esse processo de mudança social como um grande ritual fúnebre. O baile, cena gisgantesca de mais de uma hora que marca a ligação aristocracia - burguesia (às expensas da revolução) no dança de Salina e Angelica Sedara, não passa de um grande velório, excessivo, à moda dos grandes artesões do melodrama, como Douglas Sirk. Visconti, que sempre leva seus personagens para a morte, leva desta vez uma classe inteira, um mundo inteiro. Enquanto moçoiolas sorridentes e histéricas dançam e berram em seus vestidos caros, o príncipe chora no seu gabinete.

O baile

O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes '63. Para que pudesse existir, na sua riqueza e pompa, Visconti teve que buscar dinheiro americano, da 20th Century Fox, que após o lançamento, dublou o filme em inglês e cortou 20 minutos. Toda a odisséia do filme para voltar ser o que Visconti queria, está em detalhes em um documentário nos extras do DVD, que esclarece questões como a escalação dos atores internacionais falando diferentes línguas e o relacionamento no set entre Burt Lancaster (o príncipe de Salina) e Visconti, que queria Laurence Olivier no papel. Há também documentários sobre a restauração do filme e sobre o Risorgimento italiano, período retratado no filme. Enfim, uma edição que faz jus à beleza e sofisticação do filme, que conta com uma valsa inédita de Verdi. Como aprofundamento, vale comparar com O Poderoso Chefão Parte II, que está para esse O Leopardo, como a primeira parte está para Rocco e Seus Irmãos.
>>> Morte em Veneza

Entre O Leopardo e Morte em Veneza, Vagas Estrelas de Ursa, O Estrangeiro e Os Deuses Malditos, que não existem em DVD no país. O último desses filmes é a inauguração de uma trilogia sobre a Alemanha realizada por Visconti. Morte em Veneza seria o menos político dos três filmes, voltada para uma decadência intelectual germânica representada por um compositor cheio de idéias filosóficas sobre beleza e estética completamente transtornado pela presença sexual de um adolescente durante uma viagem à Veneza. Adaptado de Thomas Mann e, diz-se, inspirado na vida de Gustav Mahler (a música do filme é dele), Visconti faz aquele que é possivelmente seu filme mais difícil.

Já dizia Nicholas Ray: "O cinema é a melodia do olhar"
Ele leva a idéia perene de um desmoronamento emocional ao limite, o que era clima fúnebre se torna transe. Veneza, assolada por uma epidemia de cólera parece ainda mais opressora com o tempo morto, arrastado e sem ação que Visconti usa meio que pra espelhar a condição passiva de observação impotente do seu protagonista, morto de paixão e admiração, mas covarde o suficiente para não abandonar a razão e abordar seu objeto de desejo - que pode, ou não, estar flertando com ele. O final, ápice de desespero, filmado em silêncio, um rosto com maquiagem escorrendo, pode ser uma das mais belas cenas que Visconti já filmou, em um de seus filmes mais problemáticos, mas ainda assim um dos mais radicais. Para cada flashback intrusivo (e são vários) cheio de discussões filosóficas empoladas, tem essa agonia muda - tão bem representada pelo ator Dirk Bogarde - que acaba redimindo o todo. O DVD é da Warner, e o filme é falado em inglês, usado como língua de comunicação entre alemães e italianos. De qualquer jeito, muito se vê e se ouve muito pouco, com exceção da música perturbadora.

>>> Ludwig

Helmut Berger e Romy Schneider

Ludwig é outro grande personagem viscontiano, rei da Bavária obcecado pela beleza, foi patrono de Richard Wagner e construiu uma série de suntuosos castelos somente para que existissem - pois ficavam desabitados e sem função, depois de ter consumido uma enormidade de dinheiro. Podia ser um filme de Werner Herzog, mas o toque é inevitavelmente do diretor italiano: o poder se desconstruindo paralelamente à tormenta pessoal, e por causa dela: os excessos de um imperador (incluindo homossexualidade) são incompatíveis com sua posição. Ele vai tentar se sustentar enquanto pode, enquanto não é consumido pela loucura. O filme, agora reconstruído e com 4 horas e dez minutos é quase ruim. Visconti continua um grande encenador, mas o que antes era transe, agora se aproxima perigosamente do tédio, principalmente pela presença de Helmut Berger no papel título. Teatral, e ainda por cima mal dublado, Berger faz uma caricatura incapaz de levar o personagem para o processo de destruição que é tão viscontiano. O luxo da coisa ajuda, bem como ter as lindíssimas Romy Schneider e Sonia Petrova, mas o todo é decepcionante pra dimensão gigantesca quie o filme parece ter em sua grandiosidade. DVD duplo.

>>> Violência e Paixão

Lancaster e Berger

Este é o penúltimo filme do diretor, realizado a partir de uma história original de Enrico Medioli, para repetir a parceria entre Visconti e Burt Lancaster. Se Visconti o desqualificava antes de O Leopardo ("Quem é esse gangster?"), passou a respeitá-lo depois de ver o seu desempenho e ficaram amigos e fizeram este filme em inglês, não muito inspirado. Lancaster é um professor aposentado e solitário, colecionador de quadros de um estilo conhecido como Conversation Piece, que é o título inglês, e que se caracterizava registros de cenas familiares e cotidianas, onde as pessoas parecem quase sempre conversando. Esse professor terá sua vida infernizada quando aluga o andar superior de sua casa para uma família problemática e muito mal dublada. Alguma tensão, "À Distância" em uma gravação de Ornella Vanoni na trilha e nada de muito interesse, considerando-se que Visconti não consegue dizer nada de novo sobre conflitos geracionais, solidão e velhice, ou mesmo criar um espetáculo interessante. A impressão que fica é que seu cinema não cabe nesses internos. A melhor coisa é o título nacional, síntese de sua obra.

>>> O Inocente
Visconti não viu O Inocente em seu corte final, e já havia filmado em cadeira de rodas, completamente debilitado. isso não o impediu de criar aquele que é provavelmente seu trabalho mais rigoroso de direção, a versão mais polida e perfeita do gênero que mais amava, o melodrama. Com Visconti, melodrama nada tem a ver com redução de complexidades e emoção fácil. Giancarlo Giannini é Tullio Germill, um aristocrata de vida desregrada que mantém um caso fora do casamento. A esposa Giuliana (Laura Antonelli), solitária, cede aos encantos de um escritor barato. Eles se reconciliam, depois de uma seqüência de cenas num bosque e numa casa vazia tão visualmente apuradas que Visconti parece antecipar o Ran de Kurosawa, com seus storyboards pintados a óleo, e longas tomadas com pouco movimentação de câmera - um deslumbre contemplativo que dá o filme certa paz, que logo se converte em angústia e tensão reprimida. Agora que se descobrem apaixonados, a felicidade é maculada pela gravidez clandestina de Giuliana. Visconti arma uma tragédia a partir do conflito neste caso irreconciliável entre amor e vaidade - Tullio se dedica a interromper essa gravidez, a matar o filho inocente que não é seu - e a (re)corrupção do protagonista é narrada a conta-gotas, como se o diretor fizesse questão de fazer o sentir o amargor onipresente e opressivo da vida de alguém que vive com o ímpeto irreprimível de matar para tornar viável seu amor. Direção de arte e figurinos que combinam entre si (roupas e papel de parede às vezes parecem ter o mesmo padrão de estampa), fotografia pictórica, e mais uma vez aquele tempo misterioso que faz o filme parecer estar na perspectiva de alguém à beira da morte (nests caso, uma verdade). Não é à toa que ele é o cineasta da decadência, seja social, seja pessoal. Todo mundo está em rota descendente. Só que ele nunca conseguiu um grau de elaboração de linguagem tão grande como aqui, ao ponto de que cada cena, cada plano é uma obra-prima de esmero. Pra alguém tão sofisticado, o ápice do detalhismo. Sublime. Envolvente. Inebriante. Vale a pena ver esses quatro stills:

2006/04/05

Mais aniversários: Tracy, Davis, Peck


Eu escrevi no último post que o próximo texto seria a continuação da revisão Visconti, mas tive que voltar atrás devido a um motivo especial: hoje fariam aniversário Gregory Peck, Bette Davis e Spencer Tracy. Não posso ficar escrevendo toda vez que uma data for aniversário de gente importante, mas esses aqui merecem pelo menos a indicação de seus melhores filmes existentes no mercado nacional de DVD.

Spencer Tracy: junto com Tom Hanks, Tracy foi o único ator a vencer o Oscar de melhor ator em dois anos consecutivos. Os filmes (Marujo Intrépido e Com os Braços Abertos) não estão disponíveis, mas o cinéfilo pode encontrar cinco de suas nove parcerias com Katharine Hepburn, sua companheira na tela e na vida. Minha recomendação especial é A Costela de Adão, sofisticadíssima comédia onde Tracy e Hepburn são dois advogados casados que se enfrentam no tribunal num caso de assassinato. Tracy também faz uso maravilhoso de seu tipo bonachão em O Pai da Noiva, o clássico que Vincente Minnelli dirigiu em 1951.

Tracy & Hepburn em A Costela de Adão
Bette Davis: recentemente homenageada com uma caixa da Warner com quatro filmes (Vitória Amarga, A Carta, Vaidosa e Lágrimas Amargas). A Carta é um dos melhores filmes do diretor William Wyler, mas a caixa se ressente da ausência de A Estranha Passageira, lendário melodrama do mesmo ano de Casablanca, e citado em outro clássico, Verão de 42, de Robert Mulligan.
A melhor Bette Davis, entretanto, está em A Malvada, comédia dramática de Joseph L. Mankiewicz vencedora do Oscar de melhor filme de 1950. A mais forte concorrência é o grand guignol O que Terá Acontecido a Baby Jane?, de Robert Aldrich. Nos dois filmes, Bette interpreta uma estrela decadente me estágios diferentes: em A Malvada vê a ascenção de sua ex-camareira na Broadway, em Baby Jane já está completamente alucinada massacrando a irmã paralítica (Joan Crawford) que cometeu o pecado de fazer mais sucesso. Pura intensidade, Bette Davis.
Bette Davis e Joan Crawford se odiavam, na frente e atrás das câmeras; na foto do alto, à esquerda, A Malvada: Bette enfrenta Anne Baxter na frente de George Sanders - ninguém presta.
Gregory Peck: Ele não precisava ser tão bom ator, bastava sua criação do advogado Atticus Finch em O Sol é Para Todos para lhe garantir o céu dos atores. Finch é o viúvo advogado de uma cidadezinha no interior do Alabama que vai ousar defender um negro em um caso de estupro, enfrentando a sociedade local. Peck venceu o Oscar (batendo o também perfeito Peter O'Toole em Lawrence da Arábia), muito merecidademente, pois se trata de um daqueles momentos em que um artista atinge o domínio máximo e absoluto de suas habilidades. O filme, adaptado do espetacular romance homônimo de Harper Lee, está à altura.
Atticus Finch, o maior herói do cinema americano segundo o American Film Institute
Além de O Sol É Para Todos, há mais de 20 filmes com o ator no mercado, filmes onde ele quase sempre vai representar o bastião da dignidade e da justiça, mas sempre de maneira humana. É assim no grande e classudo faroeste Da Terra Nascem os Homens, de William Wyler, em que ele acaba com todos os brutamontes sem dar um tiro, mostrando desdém por toda a violência desnecessária numa briga entre famílias do Velho Oeste. Ainda há o jornalista que faz uma reportagem sobre o anti-semitismo americano se passando por judeu de A Luz é Para Todos, de Elia Kazan.

Peck e a superação da violência em Da Terra Nascem os Homens
Há em sua carreira filmes menos engajados, mas de igual qualidade. Em A Princesa e o Plebeu, também de William Wyler, ele é um jornalista em Roma com um grande furo nas mãos: vai ser o cicerona de uma princesa escandinava fujona, Audrey Hepburn. Há ainda um terceiro papel importante nessa profissão, em Teu Nome é Mulher, de Vincente Minnelli, onde interpreta um editor de esportes casado com uma sofisticada estilista (Lauren Bacall). A Profecia é uma inusitada incorrência no filme de suspense dos anos 70, uns bons 30 anos depois de uma colaboração com Alfred Hitchcock, no ótimo Quando Fala o Coração. Os Canhões de Navarone, de J. Lee Thompson é outro momento de extrema elegância de Peck num thriller de guerra.
O vilão terrível de Duelo ao Sol: interpretação espetacular
São todas excelentes performances, mas os grandes desafios dramáticos (além de O Sol é Para Todos, é claro) de Peck estão em dois títulos da distribuidora Classicline. Em As Neves do Kilimanjaro, de Henry King e baseado em Hemingway, ele interpreta um moribundo que, à beira da montanha africana citado no título, reavalia sua vida de paixões perdidas e alta sociedade. Peck é perfeito transmitindo o tom melancólico e trágico do personagem. O outro filme, traz aquela que deve ser sua segunda melhor interpretação. No faroeste Duelo Ao Sol, de King Vidor, ele é um fora-da-lei que disputa a sensual mestiça Jennifer Jones com o irmão certinho. Peck é galante, mas essa característica é ofuscada pelo ódio intenso que o personagem provoca. Trata-se de um vilão, sem escrúpulos, assassino cruel, mas humano o suficiente para se ver perdido de paixão. Vale ressaltar também que o tom de Duelo Ao Sol, como já disse Martin Scorsese, extremamente adulto pra época em que o filme foi feito (1946), sendo totalmente dirigido e determinado pelo sexo. Um filme selvagem.
Nota: também nasceu num 5 de Abril Melvyn Douglas, o astro de Ninochtka, de Lubitsch, e vencedor do Oscar de melhor ator coaduvante pela obra-prima O Indomado, de Martin Ritt.

2006/04/03

3 vezes Doris Day


Há 82 anos nasceram Marlon Brando e Doris Day. Ele, falecido em 2004, é hoje reconhecido como um dos maiores atores da história. Ela, apesar da recente redescoberta, continua ser uma boa cantora com algum timing cômico, uma estrela que provavelmente vai virar rodapé na história de uma década com estrelas hoje muito mais bem-quistas (Marilyn Monroe, Audrey Hepburn). Injusto. Não vou fazer aqui um post biografia de Doris Day - o leitor pode encontrar uma de excelente qualidade em Saudades do Século XX, de Ruy Castro, em um capítulo que lhe é dedicado - mas mostrar rapidamente seu grande escopo como atriz através de três filmes, disponíveis em DVD, é claro.

- A Comediante:

Volta, Meu Amor é de 1961, época em que Doris já havia abandonado os musicais para fazer um série de comédias românticas sobre sexo. Nestes filmes Day tenta defender sua virgindade do macho sem escrúpulos geralmente interpretado por Rock Hudson (caso de Volta, Meu Amor). Ela ficou conhecida como viegem do hímen de aço, com quase quarenta anos. Para mascarar esse teor sexual hoje ingênuo, entram roteiros afiadíssimos sobre desencontros, uma Nova York cor-de-rosa e Tony Randall como o terceiro elemento, o melhor amigo neurótico. É uma fórmula, mas uma boa fórmula, que tem um ponto ótimo de aplicação.

Doris Day e Rock Hudson na praia: ela está quase cedendo

Para a maioria dos críticos esse ponto é Confidências à Meia-Noite, vencedor do Oscar de Roteiro original de 60 que traz Day odiando Hudson, um playboy com quem sempre entra em linha cruzada de telefone. Hudson vai descobrir que a mulher do telefone é muito mais interessante do que pensa e se passa por outra pessoa para conquistá-la. Conseguirá Day defender sua virtude? Tornar-se-á Hudson um homem melhor? O filme é bom, mas está velho. Volta, Meu Amor tem basicamente a mesma história, só que transposta pro mundo da publicidade. Day e Hudson trabalham em agências rivais, mas não se conhecem. Ela descobre a identidade dela e tenta levá-la para cama se passando por um químico tímido e impotente. Day resolve consagrar sua virgindade a homem merecedor de seu sacrifício. Ela prepara sua camisola especial e o telefone toca, com alguém revelando a farsa.

Confidências à Meia-Noite


Day é sublime nos dois filmes, com sua criação extravagante de mulher moderna com chapéu rosa e sexualidade intocada. Faz o perfil da mal-amada caindo em tentação sem perder uma piada. Se Volta, meu Amor é melhor do que Confidências à Meia-Noite, é porque Delbert Mann é melhor diretor que Michael Gordon. Vencedor do Oscar e da Palma de Ouro pela comédia dramática com toques neo-realistas Marty, Mann não deixa a bola cair. O visual, o tempo, o roteiro, está tudo no lugar. É a aplicação perfeita da fórmula Doris Day - com a qual ele também trabalhou em Carícias de Luxo. Se Confidências... perde ritmo depois da primeira hora, Volta, Meu Amor é redondo. Day é perfeita nos dois.
- A atriz dramática:

Como Ruy Castro muito bem aponta, só em Hollywood Doris Day poderia ter passado por virgem. Antes de ter seu hímen recuperado por milagre, ela interpretou a cantora de jazz dos anos 20 Ruth Etting, que fez seu caminho como dançarina de boates baratas ao sucesso se casando e se submetendo a um gangster de Chicago, interpretado pelo sempre desagradável James Cagney. O filme é Ama-me ou Esquece-me, de 55. Esqueça o cor-de-rosa. Apesar da glamurização da história, Doris Day é perfeita num papel adulto e sexualizado. Mesmo nas cenas mais fortes, onde se insinua sua entrega sexual em troca do sucesso, ela é discreta, elegante, não cai na choradeira de melodrama ruim.

O preço do sucesso: James Cagney e sua fúria sanguinária.


Além disso há uma cena definitiva que ilustra seu poder como atriz, performer e cantora. Ela sobe no palco para cantar um dos maiores clássicos sobre prostituição da história da música, "Ten cents a Dance", de Lorenz Hart e Richard Rodgers. Ela entrega nota a nota intensidade e agonia, traduzindo a tragédia da música (Fighters and sailers and bow-legged tailors/Can pay for their tickets & rent me) em seu rosto e corpo, a expressão de dor, os membros enrijecidos. Para quem ainda tiver dúvida, vale ver sua colaboração com Hitchcock, O Homem Que Sabia Demais. Ela foi a loura menos sexy do diretor, mas não sem razão. Hitchcock coloca na entrelinha a disfuncionalidade do casamento da história construindo o personagem da mulher de maneira assexuada. Hitchcock não esperava que Day segurasse o papel, e se surpreendeu. De lambuja, "Que Sera, Sera", o maior sucesso musical de sua carreira, canção vencedora do Oscar.
- A estrela de musicais.

Seguindo o padrão retroativo deste post, vamos para 1953. Ardida Como Pimenta é um faroeste musical feito pela Warner no rastro do sucesso de Bonita e Valente. Esse filme era a história do romance entre os lendários personagens do Velho Oeste Annie Oakley e Frank Butler. Ardida Como Pimenta seria o mesmo filme, substituindo-se os protagonistas por Calamity Jane e Wild Bill Hickock. Há a mesma briga entre o casal principal (Howard Keel faz o par romântico nos dois filmes, brilhantemente), a educação da moça do modos rudes através do amor encontros e desencontros e final feliz. Só que a cópia saiu melhor que o original. Não que Bonita e Valente e sua atriz (Betty Hutton) não sejam excelentes, mas aqui Doris Day realmente desequilibra.

Doris Day a caráter e boa de briga


Ela simplemente tem mais presença na tela. O trabalho é totalmente estelar, mas no melhor sentido do termo. Ela canta, dança e representa. Cria uma figura de cinema mudo, uma clown, e equilibra a masculinidade no trato da personagem com uma doçura e romantismo completamente feminino. Betty Hutton parece reformada no final de Bonita e Valente, mas Day não. Ela aprendeu mais coisas sem deixar de ser ela mesma - Calamity Jane ganha mais nuances ao invés de uma substituição de personalidades. Ajuda bastante Day ser extremamente eficaz em sua composição de "mulher-macho", com voz, andar e caracterização e expressar sua femilidade (o ciúme) sem começar a choramingar. Day maneja dois aspectos opostos na personalidade de Jane por adição.
Ajuda muito também uma série de números musicais espetaculares que ilustram o arco de Jane. Deadwood Stage e Windy City, números viris e cheios de movimentação, Day passa para A woman's Touch (em que aprende a arrumar a casa) e a balada oscarizada Secret Love, quando finalmente admite seu amor. Seria injusto não citar os outros méritos de Ardida Como Pimenta, como as excelentes canções, o ritmo acrobático das coreografias, e os coadjuvantes (Dick Wesson, em especial - sensacional num número vestido de mulher), mas se Doris Day não tivesse conseguido lidar com um papel tão complicado o filme não seria a obra-prima que é. Genial, Doris, nem foi indicada ao Oscar. Por melhor que seja a vencedora Audrey Hepburn em A Princesa e o Plebeu(que deveria ter levado o prêmio por Bonequinha de Luxo, alguns anos mais tarde), Doris Day não deixaria espaço pra competição.
Próximo post, Visconti Parte 2.